O que é isto do Processo Penal? Breves noções

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Está hoje em primeiro plano das actualidades o Processo Penal. E no fundo muito se fala deste ramo do Direito, mas algumas vezes com falta de rigor e precisão.

O claro esclarecimento dos conceitos e uma melhor verificação desta enorme teia que se tornaram os processos-crime, é o que nos propomos nesta edição.

Iniciando, fala-se de processo-crime quando se está perante processos em que os factos que baseiam os mesmos são susceptíveis de integrar crimes. E são crimes porque o legislador os resolveu tipificar como tal no Código Penal Português e demais legislação avulsa.

Mas qual o critério para o legislador colocar determinados comportamentos como crimes?

É o critério do dano social. Ou seja, são aqueles comportamentos que quando tomados no seio de uma comunidade danificam e lesam não só a comunidade como todos os seus intervenientes. E não tem que ser um dano ou lesão directos a um único indivíduo, terá que ter um carácter de gravidade por desconforme de tal modo importante, que o legislador entende que o mesmo deverá ser um comportamento punível.

E dai existir um código e diversa legislação avulsa onde estão tipificados (escritos e descritos) todos os comportamentos que revestem tal gravidade que justificam a sua penalização.

Esses comportamentos não terão obrigatoriamente que ser por acção, ou seja, quando alguém actua de determinada forma. Poderão ser penalizados também comportamentos omissivos, ou seja, quando alguém não actua conforme deveria ter actuado.

A grande área de criminalização de comportamentos baseia-se nos crimes contra as pessoas. Indubitavelmente se entende a sua razão justificativa, e estando esta categoria dividida em crimes contra a vida, contra a vida intra-uterina, contra a integridade física, contra a liberdade pessoal, contra a liberdade e autodeterminação sexual, contra a honra, contra a reserva da vida privada e contra outros bens jurídicos pessoais.

Ou seja, em todo este leque de subcategorias é manifesta a preocupação da vida do individuo em todas as suas acepções e formas, sendo este o principal motor da vida social.

Depois são os crimes contra o património. Aqui encontramos penalizações atinentes contra a propriedade e contra o património em geral. Estas são as principais categorias que envolvem o individuo na relação directa com o património.

Também de importância fundamental para a vida em sociedade, temos os crimes contra a paz, a identidade cultural e integridade pessoal, que se traduzem nos crimes contra a sociedade e contra o Estado.

Ou seja, existiu e existe uma preocupação de salvaguardar o indivíduo enquanto ser social e todas a possíveis componentes da sua vida.

Então, resumindo, o direito penal é aquele onde se criminalizam, justificam e ponderam as actuações e comportamentos levados a cabo por indivíduos enquanto seres sociais prejudiciais para a coerência da vida em sociedade.

É ao direito processual penal que compete aplicar estas normas, através dos seus processualismos e fases.

Nele encontramos em ligação os vários sujeitos processuais que fundamentam a relação penal, todos em obediência a este conjunto de normas que são o código de processo penal.

Assim, e para uma melhor verificação da composição de um processo-crime, deixamos aqui um breve esquema do mesmo.

O que importa clarificar é que tudo começa pela notícia de um crime. Geralmente essa notícia irá provocar a elaboração de um auto de notícia (desde que se verifique que é um comportamento penalmente relevante).

Os Órgãos de Policia Criminal irão proceder a diversas diligências de apuramento de factos, sujeitos e condicionalismos. Caso exista a suspeição forte que determinado individuo cometeu um crime, o e mesmo será constituído arguido (geralmente com o conhecimento do Ministério Público).

Desse auto (e dessa constituição) será dado conhecimento ao Ministério Público que irá verificar se existem ou não indícios fortes da prática, à luz da lei penal em vigor na altura, e após ponderação será (ou não) deduzido despacho de acusação.

Desse despacho de acusação pode o Arguido ou o Assistente requerer a Abertura de Instrução. Esta é uma fase facultativa, não existindo em todos os processos em curso.

No caso de o Juiz de Instrução Criminal (JIC) optar pela pronúncia do arguido, o mesmo será levado a audiência de julgamento.

No caso de ser proferido despacho de não pronúncia o processo ficar-se-á por ai.

Chegado a audiência, o Juiz proferirá uma de duas decisões: ou sentença condenatória ou sentença absolutória, dependendo de toda a prova e ponderação que efectuar no processo.

Esta é, em linhas bastante gerais, o modo de funcionamento dos processos-crime.

 

 

Deixamos por último alguns conceitos que nos parecem pertinentes:

Fase de Inquérito – o inquérito é uma fase de investigação obrigatória cuja finalidade é investigar a existência de um crime, descobrir quem foram os seus agentes e recolher provas, e a direcção pertence exclusivamente do Ministério Público.

Fase de Instrução – fase facultativa e serve para apreciar a decisão do MP de acusar ou de arquivar o Inquérito.

Assistente – sujeito processual, sendo que se podem constituir como assistentes os ofendidos; as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento; no caso de o ofendido morrer sem renunciar ao direito de queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa de outro ou do mesmo sexo que com o ofendido vivesse em condições análogas às do cônjuge, os descendentes e adoptados, ascendentes e adoptantes, ou na falta deles, irmãos e seus descendentes; no caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o seu representante legal; qualquer pessoa nos casos de crimes contra a paz e a humanidade, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.

Medidas de Coacção – São consideradas medidas de coacção: TIR, caução, obrigação de apresentação periódica, suspensão do exercício de profissão, de função, de actividade e de direitos, proibição e imposição de condutas, obrigação de permanência na habitação, e prisão preventiva. Para que seja aplicada uma medida de coacção tem que existir a prévia constituição de arguido, a existência de um processo penal instaurado e há que obedecer ao princípio da legalidade. São apontados como requisitos gerais: convicção de prática de crime doloso e a imputação desse mesmo crime ao arguido; e ainda o perigo de fuga do arguido. As medidas têm que ser adequadas e proporcionais à gravidade do facto punível em análise.

Termo de Identidade e Residência (TIR) – medida de coação que pode ser aplicado pelo MP e será sempre aplicável havendo constituição de arguido e terminado o primeiro interrogatório não judicial, se entender que o processo deva continuar. O TIR é sempre cumulável com qualquer outra medida de coacção.

Obrigação de apresentação periódica – medida de coacção que nunca poderá ser aplicada pelo MP, apenas por despacho do juiz e pode ser cumulada com outra medida de coacção, à excepção da obrigação de permanência na habitação e prisão preventiva.

Caução – medida de coacção imposta pelo juiz, e na fixação do montante serão tomados em consideração os fins da natureza cautelar, a gravidade do crime e o dano causado, e ainda a condição sócio-económica do arguido.

Obrigação de permanência em habitação – possui pressupostos específicos de aplicação, ou seja, só se aplica se existirem fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos. Esta medida de coacção é cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas.

Prisão preventiva – medida de coacção mais gravosa aplicada pelo juiz, se considerar que existem fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, entre outros requisitos.

In dubio pro reo – princípio constitucional que significa que na dúvida deve decidir-se a favor do réu.

Sentença – decisão proferida pelo juiz num tribunal singular.

Acórdão – decisão proferida por um colectivo de juízes.

Gostaríamos que retivessem que do mesmo modo que a vida em sociedade modifica e se transforma, e que comportamentos penalizados hoje serão aceites amanhã, assim se comportará a criminalização de comportamentos e o direito penal. E o mesmo se aplica a todas as ferramentas e complexidades processuais de aplicação do direito penal. Apenas teremos que pacientemente aguardar mais tempo nas suas mutações.

 

Dras. Bárbara Silva Soares e Sara Carneiro Fernandes

Advogada e Advogada-Estagiária