A Legítima Defesa – o seu enquadramento jurídico

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A legítima defesa é uma das causas de exclusão da ilicitude e da culpa, conforme dispõe o art. 31º nº 2 a) Código Penal: “Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: a) em legítima defesa”.

O instituto da legítima defesa está consagrado no art. 32º CP, cujos requisitos são cumulativos, a saber: “Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”.

Isto é, existem requisitos objectivos – a agressão de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro; a actualidade da agressão; a ilicitude da agressão; a necessidade de defesa; a necessidade do meio. E um requisito subjectivo – o conhecimento da situação da legítima defesa.

Um dos requisitos que levanta mais dúvidas é o que respeita à necessidade do meio, ou seja, há que determinar se na situação concreta o defendente utilizou o meio necessário (idóneo) para responder à agressão.

No caso de existirem vários meios de resposta à agressão, o defendente deve optar pelo menos lesivo para o agressor. Há ainda que levar em consideração as características pessoais do agressor como a idade, o porte físico, a perigosidade, e os instrumentos de que dispõe, e fazer o contraponto relativamente ao defendente.

Ainda no que concerne a este requisito há que levar em consideração que se, in casu, houver a possibilidade de recurso às forças de autoridade, este será o meio necessário à defesa. Contudo, há que ponderar se este recurso às autoridades policiais é feito em tempo útil, pois caso contrário esta condição deve ser preterida.

Quanto à necessidade de defesa, esta deve ser aferida objectivamente, ou seja, “ segundo um exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido” – citando Prof. Taipa de Carvalho. Este requisito de “animus deffendendi” traduz-se no intuito de defesa por parte do defendente.

Quanto ao conceito de agressão deve considerar-se o comportamento activo como o omisssivo (embora este último levante sérias dúvidas). O bem ameaçado deve ser juridicamente protegido, a título de exemplo, a vida, autodeterminação sexual, propriedade, a integridade física etc.

Quanto ao requisito da agressão ser actual, entende-se que é actual a agressão iminente, em desenvolvimento, aquela agressão que já começou ou que ainda perdura. A legítima defesa pode ter lugar até ao último instante em que a agressão persiste. Ou seja, o factor decisivo é “o momento até ao qual a defesa é susceptível de pôr fim à agressão (…)”  – citando o Prof. Jorge Figueiredo Dias.

Relativamente à ilicitude da agressão, esta é aferida na totalidade da ordem jurídica e não apenas a nível penal. A Doutrina tem entendido que tanto as agressões dolosas como negligentes podem dar origem à legítima defesa.

Num sentido lato, entende-se que a agressão é ilícita quando o agressor não tem o direito de a exercer, mas não se exige que o agressor actue com dolo, mera culpa, sendo a legítima defesa admitida contra actos praticados por inimputáveis.

No âmbito da aplicação deste instituto surge uma outra problemática vertida no art. 33º nº 1 e 2 CP – excesso de legítima defesa.

Determina o nº 1 do art. 33º CP que “se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada”. Já o nº 2 do art. 33º CP preceitua que “ o agente não é punido se o excesso resultar de perturbação ou susto não censuráveis”. Ou seja, para que se verifique o excesso de legítima defesa, é necessário que estejam preenchidos os requisitos da legítima defesa, tendo em conta que só assim se pode aferir o excesso em relação aos meios empregues na defesa.

Esta necessidade de defesa deve ser negada sempre que haja uma clara desproporção entre a defesa e a agressão.

Regra geral, é tomado em consideração que “a legítima defesa comporta sempre um risco para o agressor das consequências da defesa não serem exactamente aquelas ditadas por estrito princípio da necessidade, havendo um espaço imprevisivel de consequências, sem que daí se possa afirmar uma defesa ilegitimada” cf. Ac. STJ 97P1189.

Este instituto suscita dificuldades em alguns casos, são os chamados casos-fronteira, pois por vezes na análise casual há elementos que dificultam o enquadramento da situação concreta no instituto da legítima defesa.

Para uma análise mais profunda do instituto da legítima defesa aconselha-se a leitura dos seguintes acórdãos: Ac. STJ 97P1189; Ac. TRL 6821/2003-3; Ac. TRE 2965/07-1.

 

 

Dra. Sara Carneiro Fernandes, Advogada Estagiária, com o acompanhamento da Dra Bárbara Silva Soares, Advogada

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