O debate sobre o novo enquadramento jurídico do direito laboral tem sido, seguramente, um dos temas que mais vivos na sociedade portuguesa.
A inovação legislativa, na área do direito laboral, tem procurado satisfazer as necessidades de flexibilidade e de adaptabilidade das empresas às condições de um mercado globalizado. Porém, o legislador não pode ignorar as necessidades de protecção e de segurança dos trabalhadores, procurando desta forma um equilíbrio entre os interesses do trabalhador e os interesses das empresas. A tutela eficaz dos direitos da personalidade do trabalhador é fundamental para o desenvolvimento das suas capacidades profissionais.
Neste sentido, o código de trabalho prevê a protecção dos direitos da personalidade do trabalhador.
De acordo com a melhor doutrina, e nas palavras do professor Carlos Mota Pinto, trata-se de “um círculo de direitos necessários e imprescindíveis da esfera jurídica de cada pessoa”. São verdadeiros direitos do homem, isto é direitos naturais, inerentes ao ser humano. Os principais direitos da personalidade gozam da tutela legal e estão consagrados na Constituição da República Portuguesa e no Código Civil e procuram proteger a vida humana nas suas diversas manifestações. Para além dos direitos tipificados na lei, a protecção da personalidade do indivíduo, implica a existência de um direito geral de personalidade que todos devem respeitar e que permite tutelar todos os bens jurídicos pessoais inerentes à dignidade do ser humano. A Lei prevê expressamente a protecção do direito à vida, à saúde física e mental, à integridade física e psicológica, o direito à honra ao bom nome e à imagem e o direito à reserva da vida privada.
Ora, no âmbito da relação laboral, o respeito por estes direitos é crítico e está directamente relacionado com o respeito pela dignidade do trabalhador e com o seu desenvolvimento pessoal. Cabe ao legislador assegurar que nas relações laborais se cumpram os princípios da igualdade, designadamente, a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres e a protecção das minorias, combatendo práticas de assédio, racismo ou xenofobia. Esta preocupação tem sido assumida ao nível comunitário, nomeadamente, através das recomendações da Comissão sobre um código de conduta de combate ao assédio sexual e directivas sobre a protecção dos portadores de deficiência e de combate á discriminação.
O ser humano no exercício da sua actividade profissional desenvolve a sua cidadania e na relação de trabalho deve ter direito à liberdade de expressão, constitucionalmente consagrada, não devendo sofrer limites arbitrários no exercício desta liberdade. Assim, a consagração da liberdade de expressão no artigo 14º do Código de Trabalho deve ser interpretada à luz da Constituição da República Portuguesa, no sentido de respeitar o princípio da proporcionalidade, da necessidade e da adequação para limitar o exercício deste direito fundamental do cidadão.
Por outro lado, o Código de Trabalho, assegura que o trabalhador esteja protegido no que toca à reserva da vida privada, o que implica um limite ao poder do empregador exigir dados sobre a vida privada e sobre a saúde do trabalhador. A lei permite apenas a obrigação de prestar as informações estritamente necessárias e relevantes para avaliar a aptidão do candidato a emprego ou do trabalhador. Especial relevância assume a proibição da imposição ao trabalhador de realizar testes médicos, salvo por razões de higiene e segurança no trabalho, relacionadas com a segurança do trabalhador ou de terceiros, ou, quando forem justificados por particulares exigências da actividade profissional. Destaca-se a proibição de exigência de teste de gravidez.
Mas a reserva de vida privada impõe ainda a regulamentação do acesso e tratamento de dados pessoais do trabalhador, sujeitando os ficheiros informáticos, que tratam estes dados, à Lei da Protecção de Dados Pessoais. O tratamento de dados biométricos está sujeito a notificação à Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais e a parecer da Comissão de Trabalhadores. São igualmente impostas limitações à utilização de meios de vigilância, sendo apenas permitidos quando se destinam à salvaguardar a segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências da actividade o imponham. A instalação destes meios está sujeita a autorização da CNPD e é obrigatório a afixação de sinalética. O tratamento destes dados está sujeito à Lei da Protecção de Dados Pessoais e não pode ser utilizada para fins de avaliação de desempenho.
Acresce que o exercício dos direitos dos trabalhadores impõe ao empregador o respeito pelo principio da igualdade e da não discriminação, no que toca ao acesso ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho, designadamente na progressão de carreira ou no acesso à formação. O Código de Trabalho proíbe expressamente todas as formas de discriminação e impõe a empregador o ónus de provar que o tratamento diferenciado não constituiu uma discriminação. Ainda neste domínio, o Código de Trabalho define o conceito de assédio de uma forma muito abrangente relacionando-o com os factores que levam à discriminação. A previsão do assédio contempla o comportamento de carácter sexual verbal ou físico.
Este direito esta tutelado através do direito de indemnização conferido ao trabalhador alvo de um acto discriminatório.
Não obstante, o Código prevê a possibilidade do Estado criar regimes diferenciados, de carácter temporário, que beneficiam grupos de trabalhadores desfavorecidos e que são destinada a prosseguir políticas de correcção das desigualdades sociais, isto é, com medidas positivas de combate à discriminação.
O Código do Trabalho considera que a violação dos direitos da personalidade do trabalhador constitui uma contra-ordenação grave.
Finalmente, a legislação laboral deve ser contextualizada no sistema jurídico português e interpretada à luz dos direitos liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, deve ainda ter em conta as Convenções Internacionais que consagram princípios fundamentais que tutelam os direitos da personalidade do indivíduo.
Por último, entendemos que protecção da personalidade do ser humano se estende ao direito à família e compreende a protecção legal da parentalidade, desenvolveremos este tema numa próxima oportunidade.
Dra. Cristina Crisóstomo
Advogada