> Direito dos Resíduos

 Direito dos Resíduos
Áreas de Intervenção > Outros Serviços > Direito dos Resíduos

 

O direito dos resíduos pode ser definido como um conjunto de normas e princípios jurídicos que disciplinam a gestão dos resíduos, entendidos como “quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer” – vide, alínea ee) do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 178/2006 de 05 de setembro, alterado pela Lei n.º 64-A/2008 de 31 de dezembro, Decreto-lei n.º 183/2009 de 10 de agosto e pelo Decreto-lei n.º 73/2011 de 17 de junho, o qual estabelece o Regime Geral da Gestão dos Resíduos (doravante designado como RGGR). Esta noção de resíduos atende à intenção do detentor. A intensão de “desfazer-se” tem provocado algum alvoroço doutrinal. A doutrina tem entendido que o legislador considerará “três situações diferentes: a) a situação «histórica», em que o detentor já se desfez da substância ou objeto, ficando demonstrada, assim, a natureza residual daquele; b) a situação «legal» em que o detentor está obrigado por lei a desfazer-se do resíduo, pelo que a natureza residual das substâncias ou objetos é definitivamente presumida; c) e, finalmente, a situação «psicológica» em que o detentor da substância ou objeto ainda não se desfez da coisa, mas pretende desfazer-se dela.” (Cfr. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, Direito dos Resíduos Sólidos, CEDOUA, FDUC, Almedina, p. 22).

Nos resíduos podemos distinguir: resíduos sólidos, resíduos líquidos e emissões gasosas. “No entanto, o caráter sólido confere a certos resíduos um caráter a apropriável, que justifica as particularidades do seu regime jurídico (responsabilidade do produtor, mas também do detentor; especiais deveres de cuidado no transporte; rigorosa proporcionalidade no princípio do poluidor pagador, etc.).” (Cfr. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, op. cit., p. 4).

Certo é que os resíduos desempenham uma função de relevo social, sendo uma fonte contínua de conflitos jus-sociais, como protestos desencadeados pelas mais variadas formas de gestão dos resíduos (aterros, inceneração, etc.).

Segundo Maria Alexandra de Sousa Aragão (op. cit., pp. 5 e seguintes), existem determinadas razões justificativas para a autonomia do direito dos resíduos. Sendo elas:

  1. Desinteresse inerente – a produção de resíduos é uma consequência de uma atividade principal desenvolvida, causando desinteresse pelo destino a dar
    à coisa acessoriamente produzida e sem efeito útil na cadeia produtiva que lhe deu origem;
  2. Pesados custos de eliminação – a excessiva onerosidade do correto tratamento dos resíduos motiva os responsáveis pela sua gestão a encontrar formas alternativas de eliminação, muitas vezes, ilegais;
  3. Natureza enigmática – traduzida no desconhecimento de quem lida com os resíduos;
  4. Inevitáveis impactes ambientais – a incorreta gestão de resíduos provoca a produção de impactes ambientais diversos, com efeitos, muitas vezes irreversíveis;
  5. Difícil gestão territorial – a comunidade luta por uma correta política de gestão de resíduos, sucede que a correta gestão de resíduos implica a criação de condições, nomeadamente através da construção de instalações de gestão de resíduos. Essas instalações trazem um conjunto de inconvenientes sociais, as quais são repudiadas pela comunidade;
  6. Riscos ambientais e humanos – a correta localização e funcionamento daquelas instalações de gestão de resíduos são fundamentais para a salvaguarda da saúde e bem estar humano;
  7. Prioridade da valorização – numa altura em que a sociedade se vê confrontada, cada vez mais, com o problema base da economia – “a escassez” – a eliminação dos resíduos poderá representar o desperdício de recursos. É necessário maximizar o efeito útil dos resíduos. Sendo necessário criar condições que potenciem essa valorização;
  8. Filão da reciclagem: num mundo de tendências, a reciclagem tem-se revelado como um contributo para a gestão de resíduos, sendo usada como uma mais-valia comercial.

 

Falar em direito dos resíduos é falar num ramo do direito do ambiente. Não nos interessa, nesta sede, desenvolver um aprofundado estudo sobre o enquadramento sistemático deste ramo do direito. Dessa forma, e no que toca aos seus princípios orientadores, podemos falar em dois grandes grupos: princípios próprios do direito do ambiente e princípios próprios do direito dos resíduos (vide, a este respeito, ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, op. cit., pp. 9 e seguintes).

Quanto aos primeiros, destacamos: i) princípio da precaução – prevê a possibilidade da existência de medidas cautelares, assentes na teoria do risco. Na senda daquilo que tem vindo a ser dito pela jurisprudência “quem cria uma situação de perigo tem o dever de a remover, independentemente da violação de um direito absoluto, se ela envolver uma grande propensão para a ocorrência de danos” (vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 05 de novembro de 2010). No entanto, o direito dos resíduos, enquanto direito público pressupõe uma correta e intensa regulação legal, em respeito pelo princípio da legalidade. Isto justifica a necessidade da previsão de medidas antecipatórias e preventivas à ocorrências de danos geradores de posteriores litígios. Maria Alexandra de Sousa Aragão, defende que no sector dos resíduos vigora, a regra in dúbio pro ambiente; ii) princípio da prevenção – este princípio poder-se-á dividir em duas dimensões: prevenção de resíduos (cuja ideia base é evitar a produção de resíduos), e prevenção de danos (visa promover a boa gestão dos resíduos). Nos termos da alínea x) do artigo 3.º do RGGR, a prevenção consiste na adoção de medidas antes de uma substância, material ou produto assumir a natureza de resíduo, destinadas a reduzir a quantidade de resíduos produzidos, designadamente através da reutilização de produtos ou do prolongamento do tempo de vida dos produtos; os impactes adversos no ambiente e na saúde humana resultantes dos resíduos produzidos; ou o teor de substâncias nocivas presentes nos materiais e nos produtos; iii) princípio do poluidor pagador– segundo o qual o responsável pela produção deve suportar economicamente os custos saciais e ambientais dos resíduos.

Quanto aos princípios próprios do direito dos resíduos, os artigos 4.º e seguintes do RGGR indicam-nos. Destacamos, dessa forma: i) princípio da autossuficiência e da proximidade – que prevê a existência de equipamentos capazes à correta gestão de resíduos, em respeito pelos princípios de proteção do ambiente e da saúde pública. Este princípio está intimamente ligado ao princípio da valorização; ii) princípio da responsabilidade pela gestão –  intimamente ligado ao princípio do poluidor pagador, defende que responsabilidade pela gestão dos resíduos, incluindo os respetivos custos, cabe ao produtor inicial dos resíduos sem prejuízo de poder ser imputada, na totalidade ou em parte, ao produtor do produto que deu origem aos resíduos e partilhada pelos distribuidores desse produto se tal decorrer de legislação específica aplicável, excetuando-se os resíduos urbanos cumprindo os requisitos do artigo 5.º do RGGR, podendo, ainda recair sobre o seu detentor; iii) princípio da proteção da saúde humana e do meio ambiente – “Constitui objetivo prioritário da política de gestão de resíduos evitar e reduzir os riscos para a saúde humana e para o ambiente, garantindo que a produção, a recolha e transporte, o armazenamento preliminar e o tratamento de resíduos sejam realizados recorrendo a processos ou métodos que não sejam suscetíveis de gerar efeitos adversos sobre o ambiente, nomeadamente poluição da água, do ar, do solo, afetação da fauna ou da flora, ruído ou odores ou danos em quaisquer locais de interesse e na paisagem.”(vide artigo 6.º do RGGR); iv) princípio da hierarquia dos resíduos – a gestão de resíduos deverá obedecer à seguinte hierarquia: 1.º prevenção e redução, 2.º preparação para a reutilização, 3.º reciclagem, 4.º outros tipos de valorização, 5.º eliminação. Esta ordem não é rígida, pois pode não ser observada em respeito pela diminuição dos impactes ambientais, tendo sempre que se observar os princípios gerais de proteção do ambiente; v) princípio da responsabilidade do cidadão – “Os cidadãos contribuem para a prossecução dos princípios e objetivos referidos nos artigos anteriores, adotando comportamentos de carácter preventivo em matéria de produção de resíduos, bem como práticas que facilitem a respetiva reutilização e valorização.” (Cfr. artigo 8.º do RGGR); vi) princípio da regulação de gestão de resíduos – a gestão de resíduos é levada a cabo de acordo com as regras amplamente fixadas no RGGR, sendo expressamente proibida (vide n.º 2 do artigo 9.º do RGGR), a gestão de resíduos sem licenciamento, sendo também proibidos o abandono e inceneração de resíduos; vii) princípio da equivalência – segundo o qual o benefício económico e financeiro das atividades de gestão de resíduos devem trazer uma compensação dos custos sociais e ambientais gerados com a sua produção; e viii) princípio da responsabilidade alargada do produtor – “consiste em atribuir, total ou parcialmente, física e ou financeiramente, ao produtor do produto a responsabilidade pelos impactes ambientais e pela produção de resíduos decorrentes do processo produtivo e da posterior utilização dos respetivos produtos, bem como da sua gestão quando atingem o final de vida.” (vide n.º 1 do artigo 10.º-A do RGGR).

Após um enquadramento tão aprofundado quanto nos permite este nosso texto, há que conferir um dinamismo mais prático às nossas palavras, promovendo uma digressão pela legislação de direito dos resíduos com maior relevo prático. Neste intuito, o RGGR assume um caráter fundamental. Através dele se regulamenta a gestão dos resíduos em geral, medidas pré litigiosas e pós litigiosas. Nesta sede há que desmistificar o subtítulo deste texto. Como supra referimos, o direito dos resíduos tem uma função iminentemente preventiva. Sucede que, e como ordena a boa prática legislativa, ao incumprimento das normas de natureza preventiva correspondem um conjunto de sanções de natureza, essencialmente, contraordenacionais e de impactos consideráveis, na medida em que, segundo a Lei n.º 50/2006 de 29 de agosto, alterada pela Lei n.º 89/2009 de 31 de agosto, que estabelece a Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (doravante designada como LQCOA), as coimas poderão variar entre €200 a €2.500.000.

Sendo assim, há que começar por abordar a gestão de resíduos stricto sensu. A regulação da atividade de tratamento de resíduos está prevista nos artigos 23.º e seguintes do RGGR. A atividade de gestão de resíduos está sujeita a licenciamento, por razões de saúde pública e de proteção do ambiente. Ressalve-se, contudo, que estão isentas de licenciamento as operações de tratamento:

  1. Valorização energética de resíduos vegetais fibrosos provenientes da produção de pasta virgem e de papel, se forem coincinerados no local de produção;
  2. Valorização energética de resíduos de madeira e cortiça, com exceção daqueles que possam conter compostos orgânicos halogenados ou metais pesados resultantes de tratamento com conservantes ou revestimento, incluindo, em especial, os provenientes de obras de construção e demolição;
  • Valorização energética da fração dos biorresíduos provenientes de espaços verdes;
  1. Valorização energética da fração dos biorresíduos de origem vegetal provenientes da indústria de transformação de produtos alimentares;
  2. Valorização não energética de resíduos não perigosos, quando efetuada pelo produtor dos resíduos resultantes da sua própria atividade, no local de produção ou em local análogo ao local de produção pertencente à mesma entidade;
  3. Valorização não energética de resíduos perigosos, quando efetuada pelo produtor dos resíduos, desde que abrangida por normas técnicas previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 20.º do RGGR.

Em termos procedimentais, sempre se dirá que compete às CCDR-N o licenciamento da maior parte das atividades de gestão de resíduos, enquanto Autoridades Regionais de Resíduos – nos termos da alínea b) do artigo 24.º do RGGR. O procedimento inicia-se com o pedido de licenciamento a efetuar junto da entidade licenciadora, acompanhado de um documento, onde conste a identificação do requerente e a descrição das operações que visa licenciar, acompanhado por outros elementos que possa entender como convenientes. No prazo de 10 dias, a entidade licenciadora verifica a conformidade do requerimento, solicitando elementos adicionais, se necessários, caso os mesmos não sejam juntos, o pedido será liminarmente indeferido, nos termos do n.º 4 do artigo 27.º do RGGR. Contados 10 dias após a receção de todos os elementos necessários, a entidade promove a consulta das demais entidades que se devam pronunciar e 30 dias após o termo deste prazo, a entidade comunica ao requerente se o projeto apresentado está conforme os regras estabelecidas no RGGR. Nesta comunicação, a entidade informa o requerente das condições impostas para a gestão de resíduos proposta. Na senda daquilo que tem sido a posição jus-administrativista, a não comunicação ao requerente no prazo supra exposto, concede-lhe a faculdade de: i) reagir judicialmente à omissão administrativa; ou ii) interpelar a entidade para, em 8 dias, se pronunciar. Não obstante a existência de uma comunicação favorável, o requerente deve solicitar a realização de uma vistoria com uma antecedência mínima de 40 dias da data prevista para o início da realização da operação de gestão de resíduos. Se na comunicação supra referida se impuser a adoção de condições, o pedido de vistoria é acompanhado da prova da realização do solicitado pela entidade. A vistoria efetua -se no prazo de 20 dias a contar da data de apresentação da solicitação, sendo o requerente notificado para o efeito pela entidade licenciadora com uma antecedência mínima de 10 dias (vide artigo 30.º do RGGR). Feita a vistoria, a entidade licenciadora profere decisão final (no prazo de 10 dias), estabelecendo os termos e as condições de que depende a realização da operação de gestão de resíduos licenciada.

Há, contudo, situações que implicam um procedimento de licenciamento simplificado (artigo 32.º do RGGR), o qual deve ser analisado e decidido em 30 dias. Sendo elas: i) o tratamento de resíduos relativo a situações pontuais, dotadas de carácter não permanente ou em que os resíduos não resultem da normal atividade produtiva; ii) armazenagem de resíduos, quando efetuadas no próprio local de produção, no respeito pelas especificações técnicas aplicáveis e por período superior a um ano; iii) O armazenamento e a triagem de resíduos em centros de receção que integram sistemas de gestão de fluxos específicos de resíduos; iv) a valorização de resíduos realizada a título experimental destinada a fins de investigação, desenvolvimento e ensaio de medidas de aperfeiçoamento dos processos de gestão de resíduos, por um período máximo de 6 meses, prorrogável até 18 meses; v) a valorização de resíduos não perigosos que não seja efetuada pelo produtor dos resíduos, com exceção da valorização energética e da valorização orgânica; vi) valorização de resíduos inertes, de betão e de betuminosos; vii) valorização de resíduos tendo em vista a recuperação de metais preciosos; ix) coincineração de resíduos combustíveis não perigosos resultantes do tratamento mecânico de resíduos.

Há que referir que o RGGR prevê drásticas sanções no que se refere ao exercício não licenciado de operações de gestão de resíduos. Vejamos, a alínea d) do n.º 1 do artigo 67.º do RGGR classifica como contraordenação muito grave o exercício não licenciado de gestão de resíduos, que em termos práticos, implicará a aplicação de uma coima entre €20.000 a €2.500.000, de acordo com o n.º 4 do artigo 22 da LQCOA.

Nos dois procedimentos (comum e simplificado), após decisão final é emitido um alvará de licença. Neste alvará consta (vide artigo 33.º do RGGR, que pela sua relevância prática, transcrevemos):

  • A identificação do titular da licença, incluindo o endereço completo da instalação licenciada e a sua georreferenciação;
  • O tipo de operação de gestão de resíduos para o qual o operador está licenciado, nomeadamente as normas técnicas aplicáveis e o método de tratamento utilizável;
  • Indicação exata dos códigos dos resíduos abrangidos, de acordo com a LER, e das quantidades máximas, total e instantânea, de resíduos objeto da operação de valorização ou eliminação, classificada de acordo com os anexos I e II ao presente decreto -lei;
  • As condições a que fica submetida a operação de gestão de resíduos, incluindo as precauções a tomar em matéria de segurança;
  • A identificação do(s) responsável(eis) técnico(s) pela operação de gestão de resíduos;
  • A identificação das instalações e ou equipamentos licenciados, incluindo a indicação dos mesmos em peça desenhada e os requisitos técnicos relevantes;
  • O prazo de validade da licença;
  • As operações de acompanhamento e controlo que forem necessárias;
  • As disposições que forem necessárias em matéria de encerramento e de manutenção após o encerramento;
  • A indicação da eficiência energética quando esteja em causa uma operação de incineração ou de co -incineração, com valorização energética;
  • Consequências do não cumprimento das condições da licença.

O incumprimento de qualquer uma destas condições impostas pelo alvará de licença, faz o operador incorrer numa contraordenação grave p. e p. pela alínea n) do n.º 2 do artigo 67.º do RGGR, o que, de acordo com o n.º 3 do artigo 22 da LQCOA implicará a aplicação de uma coima entre €2.000 a €48.000.

Por seu lado, a entidade licenciadora pode, através de decisão fundamentada, e num momento ulterior à emissão de alvará, impor ao operador de gestão de resíduos, medidas complementares para acautelar efeitos negativos não previstos (artigo 34.º do RGGR). O incumprimento dessas condições adicionais fará incorrer o operador na prática de uma contraordenação muito grave, punida nos termos da alínea e) do RGGR  e n.º 3 do artigo 22 da LQCOA e levando à suspensão da atividade.

Se o operador pretender promover a alteração da sua atividade de gestão, p.e. aumentando o tipo de resíduos e/ou mudar de endereço ou aumentar as suas instalações de tratamento, etc., deve requerer essa alteração à entidade, caso não o faça, entender-se-á que está em incumprimento das condições impostas pelo alvará de licença, o que implica, por si só, a consequência supra exposta.

Por fim, e no que toca à cessação da atividade de gestão de resíduos, esta deve ser requerida à entidade licenciadora e depende da sua aceitação, uma vez que poderão estar em causa a produção de passivos ambientais, podendo o pedido ficar dependente do cumprimento de condições impostas pela entidade licenciadora.

Paralelamente à regulamentação da atividade de gestão de resíduos, encontram-se outras situações que concorrem para o conceito lato de gestão e resíduos.

Uma situação desde logo levantada prende-se com as condições do transporte de resíduos. O artigo 21.º, n.º 1 do RGGR refere que o transporte de resíduos está sujeito a registo eletrónico a efetuar pelos produtores, detentores, transportadores e destinatários dos resíduos, através de uma guia de acompanhamento de resíduos eletrónica (e -GAR) disponível no sítio da ANR na Internet. No entanto, o transporte de resíduos não termina nesta previsão. É necessário que o seu transporte tenha em atenção as normas técnicas de carga previstas na portaria 335/97 de 16 de maio. Nos termos daquela portaria, e uma vez que se considera “importante organizar e tornar mais eficaz a fiscalização e controlo das transferências de resíduos dentro do território nacional por forma a corresponder à necessidade de proteger e melhorar a qualidade do ambiente e a saúde pública” (vide o preâmbulo), torna-se necessário disciplinar o transporte de resíduos, para tanto sujeitando-o a procedimentos próprios, como o acompanhamento de guia de transporte. Nesse intuito, o n.º 1 do artigo 5.º da supra citada portaria estipula que o “produtor e o detentor devem assegurar que cada transporte é acompanhado das competentes guias de acompanhamento de resíduos, cujos modelos constam de anexo a esta portaria, da qual fazem parte integrante.”

Nesta senda há que trazer à colação uma matéria que se crê ser de alguma controvérsia e que se prende com o transporte de resíduos urbanos efetuado por empresas (p.e. municipais e intermunicipais) com o objetivo de proceder à sua valorização. O n.º 2 do referido artigo 5.º exceciona o seu n.º 1, afirmando que o “transporte de resíduos urbanos está isento de guia de acompanhamento, com exceção dos resultantes de triagem e destinados a operações de valorização”. Há, assim, dois requisitos elencados por esta previsão legal: i) os resíduos devem resultar de triagem; e ii) destinar-se a operações de valorização. Não se destinando a operações de valorização, o transporte está sujeito a acompanhamento de guia. Assim sendo, não está em causa a qualidade do transportador, antes, o destino a dar aos resíduos transportados. O não acompanhamento de guia de transporte poderá fazer o transportador incorrer na prática de uma contraordenação p. e p. pela alínea c) do n.º 3 do artigo 67.º do RGGR, o que, de acordo com o n.º 2 do artigo 22 da LQCOA implicará a aplicação de uma coima entre €200 a €22.500. Por seu turno, o incumprimento das normas técnicas de transporte resultará na prática de uma contraordenação p. e p. pela alínea f) do n.º 2 do artigo 67.º do RGGR, o que, de acordo com o n.º 3 do artigo 22 da LQCOA implicará a aplicação de uma coima entre €2.000 a €48.000.

Outro aspeto a ter em atenção prende-se com a necessidade de inscrição no Sistema Integrado de Registo Eletrónico de Resíduos (SIRER), atualmente Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente (SILiAmb) – artigos 45.º e seguintes do RGGR. Prevê-se que está sujeito à inscrição e a registo de dados no SILiAmb:

  • As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por estabelecimentos que empreguem mais de 10 trabalhadores e que produzam resíduos não urbanos;
  • As pessoas singulares ou coletivas responsáveis por estabelecimentos que produzam resíduos perigosos;
  • As pessoas singulares ou coletivas que procedam ao tratamento de resíduos a título profissional;
  • As pessoas singulares ou coletivas que procedam à recolha ou ao transporte de resíduos a título profissional;
  • As entidades responsáveis pelos sistemas de gestão de resíduos urbanos;
  • As entidades responsáveis pela gestão de sistemas individuais ou integrados de fluxos específicos de resíduos;
  • Os operadores que atuam no mercado de resíduos, designadamente, como corretores ou comerciantes;
  • Os produtores de produtos sujeitos à obrigação de registo nos termos da legislação relativa a fluxos específicos.

O procedimento de inscrição no SILiAmb é simplificado e o seu custo reduzido, no entanto, a não inscrição implica a prática de uma contraordenação p. e p. pela alínea r) do n.º 2 do artigo 67.º do RGGR, o que, de acordo com o n.º 3 do artigo 22 da LQCOA implicará a aplicação de uma coima entre €2.000 a €48.000.

Por último, e relativamente ao RGGR, há que considerar a obrigação profundamente ampla, estabelecida no n.º 4 do seu artigo 7.º, segundo a qual, os produtores de resíduos devem proceder à separação dos resíduos na origem de forma a promover a sua valorização por fluxos e fileiras. Aqui cabem todas as pessoas coletivas que, no exercício da sua atividade produzam resíduos – desde um café, a uma indústria, passando por cabeleireiros, etc. – constituindo contraordenação o incumprimento desta obrigação, punível com coima de €200 a €22.500.

A par do RGGR há que considerar outra legislação de grande impacto na gestão de resíduos, como é o caso do regime das operações de gestão de resíduos resultantes de obras ou demolições de edifícios ou de derrocadas – Resíduos de Construção e Demolição (RCD), previsto no Decreto-lei n.º 46/2008 de 12 de março, alterado pelo Decreto-lei n.º 73/20011 de 17 de junho (doravante designado como RRCD). Este regime prevê que a a gestão dos RCD é da responsabilidade de todos os intervenientes no seu ciclo de vida, desde o produto original até ao resíduo produzido, na medida da respetiva intervenção no mesmo. Quem incumprir o dever de assegurara a correta gestão de RCD incorre na prática de uma contraordenação grave, nos da alínea a) do n.º 2 do artigo 18.º do RRCD. O RCD que não seja sujeito a reutilização (nos termos do artigo 7.º do RRCD) são sujeitos a uma triagem e encaminhados para fluxos e fileiras com o objetivo de promover a sua valorização; não podendo proceder-se à triagem, os RCD são encaminhados para um operador de gestão de resíduos devidamente licenciado para o efeito. O RRCD prevê um tratamento diferenciado dos RCD provenientes de obras públicas e particulares. Nas primeiras, o projeto de execução é acompanhado de um plano de prevenção e gestão de RCD (artigo 10.º do RRCD), nas segundas (desde que sujeitas a licenciamento ou comunicação prévia), o produtor obriga-se a promover a reutilização ou incorporação de reclicados de RCD; assegurar a existência de um sistema adequado de acondicionamento de RCD em obra; assegurar uma correta triagem e a menor permanência possível dos RCD na obra; efetuar e manter, conjuntamente com o livro de obra, o registo de dados de RCD, de acordo com o modelo constante do anexo II do RRCD.

Assim como os resíduos em gera, os RCD estão sujeitos a normas técnicas de transporte em condições análogas ao acima exposto. E a atividade de gestão de resíduos está, também, sujeita a licenciamento.

O incumprimento das condições referidas pressupõe a prática de uma contraordenação, cujos montantes, como supra se afirmou, medeiam entre os €200 aos €2.500.000.

No que toca aos resíduos líquidos, a gestão de óleos usados desempenha uma elevada importância. Nesta sede há dois regimes distintos a considerar:

  • Regime dos Óleos Alimentares Usados (ROAU) – Decreto-lei n.º 267/2009 de 29 de setembro;
  • Regime Jurídico da Gestão de Óleos Usados (RJGOU) – Decreto-lei n.º 153/2003 de 11 de julho, alterado pelo Decreto-lei n.º 73/2001 de 17 de junho.

Grosso modo, no que toca ao ROAU, o mesmo estabelece as condições de gestão de OAU, a par de um conjunto de obrigações próprias daqueles que os produzem, as quais se resumem à afixação de um certificado de OAU e o seu correto encaminhamento.

Quanto ao RJGOU, este contem um conjunto de condições específicas à valorização de óleos usados, “estes objetivos colocam-se com maior acuidade no caso dos óleos usados, na medida em que, tratando-se de resíduos classificados como perigosos, a sua correta gestão é uma condição indispensável para um desenvolvimento do País sustentável e com elevados padrões de qualidade.” (vide preâmbulo). O incumprimento das condições impostas por este regime jurídico, como o derrame de uma pequena mancha de óleo no chão, ou a não separação de óleos em locais indicados, pode resultar na aplicação de uma coima até €2.500.000.

Por último – sendo certo que estamos longe de esgotar o tratamento destas questões, que pela vastidão de legislação assumiria a forma de tratado – teceremos algumas considerações relativamente às emissões atmosféricas (vulgo, fumos, vernizes, etc.). O seu regime jurídico vem previsto no Decreto-lei n.º 78/2004 de 03 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 126/2006 de 03 de julho, por uma questão de simplificação, doravante designaremos simplificadamente como Regime dos Valores Limites de Emissão (RVLE). O preâmbulo do RVLE estabelece “definição de valores limite de concentração de poluentes na atmosfera, ao nível do solo, que se reconheçam adequados à proteção da saúde humana e do ambiente é um dos principais instrumentos da política da qualidade do ar. Por outro lado, a fixação de valores limite de emissão na fonte para os poluentes mais significativos, pelos seus efeitos na saúde das populações e no ambiente em geral, constitui medida essencial para uma política de prevenção e controlo da poluição atmosférica.” O RVLE sujeita as emissões atmosféricas a um conjunto de regras, desde logo:

  1. Controlo de emissões (vide artigos 18.º e seguintes do RVLE);
  2. Normas de descarga para a atmosfera;
  • Cálculo da altura das chaminés, com as respetivas normas de construção de chaminés.

Este RVLE estabelece, também, no seu n.º 1 do artigo 13.º a proibição de queima a céu aberto de resíduos.

A violação de qualquer uma destas previsões pressupõe a prática de uma contraordenação punível com coima de €250 a €44.800 (vide artigo 34.º do RVLE).

Como supra verificamos, a regulamentação ambiental é vasta, dificultando o seu conhecimento. No entanto, esse desconhecimento poderá levar à prática de contraordenações que culminam em coimas, entendidas por muitos, como desproporcionais e desajustadas à realidade económico-social portuguesa. A doutrina defende o ambiente com o um bem jurídico impessoal, o qual se impôs na post-modernidade.

“Enquanto bem jurídico impessoal e, na sua vertente de bem colectivo, apatrimonial e sem vítima, o ambiente começou por ser visto como um fraco candidato à tutela penal. Deve sublinhar-se a novidade da preocupação de tutela deste bem, comparativamente com outros como a vida, a propriedade, a honra – novidade que, por força do princípio da intervenção mínima que pontua este domínio (cfr. os artigos 29º e 18º/2 da Constituição da República Portuguesa = CRP) (…) No entanto, o ambiente foi-se impondo como grandeza social, metaindividual e transgeracional, facto que veio justificar a opção pela tutela penal” (Cfr. GOMES, Carla Amado, As contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50/2006, de 29 de Agosto: Considerações gerais e observações tópicas).

Por isso, urge agir na pré-litigiosidade, evitando os efeitos dos litígios/infrações ambientais que na maioria das vezes trazem consequências agravadas em relação ao ilícito penal.