Escutas telefónicas – regime processual penal

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Actualmente, o tema das escutas telefónicas é muito discutido na praça pública devido às inúmeras questões que levanta.

Antes de mais é necessário delimitar este conceito e situa-lo no âmbito do processo penal: a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova previsto nos arts. 187º e 188º CPP. A escuta consiste na intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas.

Este é um instrumento utilizado no processo penal por ordem ou autorização do juiz, sendo que quem procede a essas diligências são os órgãos de polícia criminal (OPC).

A função das escutas é obter elementos de prova que reforcem os indícios já existentes da prática de determinado crime. Sendo certo que o que é interceptado e gravado não vai reforçar ou diminuir os indícios existentes, pois é necessária uma valoração do conteúdo das escutas telefónicas para que isso aconteça.

Ou seja, o juiz e o MP com a colaboração dos OPC decidem o que é relevante e ordenam a transcrição em auto e a junção ao processo, e é este auto de transcrição que se traduz na prova com base na escuta telefónica.

As escutas telefónicas obedecem a requisitos dos quais:

  • Carácter excepcional das escutas telefónicas – ao recorrer-se às escutas telefónicas está-se a violar direitos como o direito à reserva da vida privada e familiar, o direito à palavra falada, à liberdade de expressão, à honra, bom-nome entre outros, sendo estes direitos fundamentais, previstos e protegidos na CRP. Pelo que apenas se pode recorrer a este meio de obtenção de prova quando o bem jurídico em causa é superior a estes direitos que serão violados.
  • Princípio da proporcionalidade, necessidade e adequação – dispõe o art. 187º CPP que apenas nalguns casos as escutas telefónicas são admissíveis, uma vez que têm de existir “razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução criminal e mediante requerimento do MP (…)”.
  • Princípio da legalidade das escutas telefónicas – existe apenas uma entidade com legitimidade para autorizar ou ordenar que se proceda à diligência das escutas telefónicas que é o Juiz de instrução criminal quer na fase de inquérito quer na instrução (exclusividade de competência).
  • Fundamentação da decisão – como já foi referido, as escutas só são autorizadas ou ordenadas se existirem indícios e o Juiz terá sempre que fundamentar a sua decisão sob pena de se esvaziar a credibilidade das escutas telefónicas.

Dispõe o art. 187º nº4 CPP que as escutas apenas podem ser utilizadas contra o arguido ou suspeito, a vítima do crime mas através de consentimento efectivo ou presumido, e ainda a pessoa que serve de intermediário (tem que existir fundamentação para se crer que a pessoa recebe e/ou transmite mensagens destinadas ou provenientes do suspeito ou arguido).

Existe uma proibição relativamente às escutas patente no CPP no que concerne às conversações entre o Arguido e o seu defensor, excepto se o juiz possuir fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.

Relativamente ao prazo das escutas, dispõe o art. 187º nº6 CPP que são as mesmas autorizadas por um período de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, mas desde que preencham os requisitos de admissibilidade.

Por último, mas não menos importante é o que dispõe o art. 355º nº 1 CPP “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, e nesse sentido levanta-se o problema de saber se é necessário o juiz de julgamento proceder à leitura do auto de transcrição da escuta.

Ora, a jurisprudência nacional defende maioritariamente que, de facto, o auto de transcrição vale como prova documental que pode ser lida em sede de audiência, mas tal não significa que se não for lida não possa valer como prova.

A nulidade das escutas só pode ser arguida caso os requisitos estipulados nos arts. 187º, 188º e 189º CPP não forem cumpridos.

Contudo, a problemática das escultas não se circunscreve apenas aos textos legais.

Várias foram já as alterações legislativas sobre o tema e mais se adivinham.

E sempre que um novo processo mediaticamente mais conhecido torna a fazer machetes e páginas nos jornais, sabemos que mais conversas surgirão sobre o mesmo tema..

 

 

Dra. Sara Carneiro Fernandes, Advogada Estagiária (com a colaboração da Advogada Bárbara Silva Soares)