Insolvência – O incidente de qualificação

Insolvência – O incidente de qualificação

 

Antes de nos alongarmos no conceito mais específico do incidente de qualificação da insolvência cumpre, ainda que de uma forma muito breve, definir Insolvência.

Em tempos de crise económica o processo de insolvência tem sido muito vulgar, uma vez que quer pessoas colectivas quer singulares têm encontrado dificuldades em cumprir as suas obrigações financeiras.

Se atentarmos no CIRE – Código de Insolvência e Recuperação de Empresa, no seu art. 3 nº1 encontramos a definição de Insolvência, ora “É considerado em situação de Insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações “, no nº 2 lê-se “é considerado insolvente quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo”.

Desta feita, estando preenchidos estes requisitos, estão criadas as condições para que se possa iniciar um processo de Insolvência. Igualmente neste código encontramos a definição do processo de insolvência e qual o objectivo que se visa alcançar. De acordo com o art.1 “é o processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que normalmente se baseia na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.”

Estes são os traços gerais que caracterizam tanto a pessoa (colectiva ou singular) insolvente como o processo de insolvência. No entanto o alvo concreto do artigo é uma particularidade deste processo que comporta uma série de passos. Vamos abordar o Incidente de qualificação da Insolvência.

Este incidente consiste em determinar se a insolvência é culposa ou fortuita. Ou seja, pretende saber-se se na origem desta situação de insolvência estiveram razões culposas da parte de quem orientou a empresa ou se esta se gerou apenas por razões externas às próprias pessoas, nomeadamente razões de mercado que criaram por si só dificuldades financeiras.

Este incidente, corre os seus termos no processo principal de insolvência. É sempre aberto em todos os processos de insolvência, por isso se diz que é um incidente que é aberto oficiosamente art. 36º i) CIRE. Não necessita que alguém pretenda abrir, por denotar razões de algum tipo fraudulentas. Assim não é, apenas numa situação muito especial, quando no processo de insolvência é aprovado um Plano de Insolvência, que mais não é de que um plano de recuperação da empresa. Fora este caso é sempre aberto este incidente.

Tal como se disse, visa apurar se a situação de insolvência é fortuita ou culposa. Estaremos perante uma insolvência fortuita quando, não se conseguir identificar um “culpado” para a situação em que a empresa chegou. Por outro lado a insolvência será culposa quando “tiver sido criada ou agravada em consequência de actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência” art. 186º CIRE.

Portanto é necessário que tenha existido um comportamento doloso ou com culpa grave, ou seja, é necessário que tenha havido consciência e intenção de criar esta situação ou no mínimo consciência de que determinados comportamentos podem levar ao prejuízo da empresa. Por outro lado é necessário um nexo de causalidade entre o comportamento e o agravamento da situação de insolvência, ou seja, que este comportamento tenha sido causa de agravamento da situação. Por último que este comportamento negativo com a intenção de prejudicar a empresa tenha sido levado a cabo nos últimos 3 anos.

O artigo da Insolvência culposa art. 186º nº2 CIRE, elenca alguns comportamentos que a existirem levam sempre a concluir que houve este comportamento doloso ou com culpa grave por parte dos administradores, são eles entre outros, destruído, danificado ou ocultado o património do devedor; comprado mercadorias a crédito sem satisfação das obrigações; disposto de bens do devedor em proveito pessoal; incumprindo as obrigações de manter a contabilidade organizada; não apresentação das contas da empresa, entre outras situações referidas. Por sua vez, no nº 3 do mesmo artigo, são elencadas situações que a acontecerem podem levar a concluir que existiu culpa na criação da situação da empresa, são eles o dever de requerer a Insolvência e a obrigação de elaborar as contas anuais e submete-las a fiscalização, depositando-as na conservatória de registo civil.

Este juízo de qualificação das presunções de existência de culpa ou não, cabe sempre ao juiz da causa, no entanto, neste processo são solicitados pareceres tanto ao Administrador de Insolvência como ao próprio Ministério Público.

Quanto a estes pareceres, existe o pormenor de que se ambos forem no sentido de considerar a insolvência como fortuita o juiz é obrigado a elaborar a decisão no mesmo sentido, se por outro lado os pareceres não coincidirem, a tramitação terá outro rumo e o devedor será citado, bem como os responsáveis pela situação indicado nos pareceres até então apresentados. Estes podem alegar o que entenderem por bem, apresentando provas que permitam afastar esta presunção de culpa. A comissão de credores, pode ser aqui igualmente ouvida.

Terminada a sucessão de pareceres, cabe ao juiz decidir a qualificação da insolvência como fortuita ou em sentido contrário como culposa.

Na hipótese de a insolvência vir a ser considerada como culposa, gera consequências bastante drásticas para os responsáveis.

A este respeito importa ver o art.189º CIRE. Ora na sentença de qualificação de insolvência como culposa o juiz há-de indicar as pessoas afectadas com esta qualificação, e pode impor-lhe algumas sanções. As sanções possíveis são:

  • inabilitação das pessoas afectadas por um período de 2 a 10 anos. Quanto a esta sanção importa referir que dadas as suas consequências gravosas, foi declarada Inconstitucional como força obrigatória geral, por violação do art. 26º da Constituição da República Portuguesa, mas apenas para os gerentes e administradores das empresas, fora esses casos a inabilitação continua a ser uma sanção possível;
  • inibição das pessoas afectadas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa
  • determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou até a restituição dos bens ou direitos já recebidos.

Estas são portanto as limitações a que podem estar sujeitos os responsáveis pela criação ou agravamento da situação de insolvência.

A qualificação da insolvência como culposa ou como fortuita importa apenas no âmbito civil, isto é, é apurado no próprio processo de insolvência. Outra coisa diferente é a insolvência dolosa que é apurada já no âmbito penal.

Aquilo que se apurar a nível civil não obsta a que se abra um processo criminal, pois dependendo da gravidade da actuação, Código Penal prevê e pune o crime de Insolvência dolosa nos seus artigos 227º e seguintes. Este crime tem uma moldura penal que vai até 5 anos de prisão ou pena de multa até 600 dias.

Desta forma se percebe o alcance da Insolvência culposa que apura a nível civil a existência ou não de culpa na insolvência, aplicando-lhe cominações civis e a Insolvência dolosa que é prevista e punida no Código Penal.

Ainda que de uma forma breve, tentou-se explicar tudo o que envolve o Processo de Insolvência, que como sinal da crise que atravessa o País têm sido procedimentos que tem crescido exponencialmente nos Tribunais Portugueses.

 

 

 

 

Dra. Ana Eduarda Gonçalves, Advogada Estagiária, com o acompanhamento da Dra Bárbara Silva Soares, Advogada

 

 

Agradecemos que os interessados em esclarecimento de dúvidas ou questões jurídicas, as remetam para braga@csadvogados.pt. Após análise, algumas serão seleccionadas para resposta na Revista SIM

 

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